Crítica: O Chico Esperto da Praça Rodrigues Lobo

Chico Lobo

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O nosso Primo Basílio tem os seus gostos e feitios muito bem vincados e, por isso, não gosta de surpresas. Esta foi a sua experiência no gastropub Chico Lobo.

Entrar no Chico Lobo é como entrar noutra casa qualquer que seja bem decorada, com intensidade de luz ideal e música catchapum no ar, ao som da qual é sempre possível trautear “panados com pão” (é mesmo verdade – ouse experimentar) e também ter algumas dores de cabeça.

Tomada a corajosa decisão de sentar (só vai quem quer, claro), é com gosto que se bebem, neste já consagrado espaço, bons refrescos alcoólicos, como gin, mojito e cerveja da boa tirada no momento – sim, estou a pensar numa Erdinger fresquinha.

Abertas as hostilidades, nem se pensa duas vezes: “Mais uma rodada, por favor”; e eis então que surge o diálogo da noite.

– Qual era o gin?
– Hendricks com citrinos
– Tem mesmo de ser Hendricks?
– Sim.

Calma, caro leitor que já imagino em sobressalto – “O quê? Hendricks com citrinos?? Mas está-se tudo a passar, ou quê? Não chega já 2020 ser o que é… vai-se agora pedir Hendricks com aromas de laranja e/ou limão quando toda a gente sabe que é com pepino!” Foi nisto que pensou quando leu o curto diálogo, certo? Não? Oh diabo! Tem de se educar!

Felizmente, não foi preciso perguntar “Há algum professor na sala?”. Ele estava atrás do balcão, a fazer gins.

Por isso, ao ser-lhe passado o pedido, e qual paladino da mixologia centenária do pairing do gin com o aroma perfeito, o inteligente educador não deixou escapar a oportunidade, ao ter o presumível desabafo mental: espera lá que já te digo. Vais beber um gin desta qualidade porque este é que casa com citrinos e assim é que é.

Chegado o santo graal à mesa, é notória a diferença em relação ao antecessor. O gin é diferente. Não há volta a dar; prova-se uma, duas, três vezes. Não sabe ao mesmo.

O que fazer nesta situação? Depende sempre do humor, não é? Já diz o ditado: Muitas vezes engolimos; outras queremos mesmo é Hendricks.

Portanto, como escudeiros insensatos em defesa do paladar e gosto pessoal (haverá outro?), decidiu-se indagar o mixologista valente sobre a qualidade (tipo) do gin.
– É Hendricks – diz, com máscara no queixo, que é onde os jovens radicais a usam
– Olhe que não.
– Olhe que sim, que fui eu que o fiz – diz, já exaltado
– Olhe que não tem nada a ver com o primeiro e a pergunta inicial até deu a entender que já não havia.
– O meu colega terá perguntado isso porque não fica bem Hendricks com citrinos e nós tentamos… pronto… educar o cliente.
– Educar o cliente?
– Não vos estou a chamar burros mas eu tenho 3 cursos em Londres e até vos posso mostrar os certificados, o meu nome é Chico Esperto [o nome mencionado foi outro, o original, mas juro que foi isto que ouvi.]

Bem, não será necessário continuar em discurso direto para dizer que dali ao Chico ter ido buscar material para fazer o gin à nossa frente, depois de os perdigotos de exaltação me atingirem o braço (álcool gel para cima, logo), foi um ápice.

Agitado e já com uma atitude no limiar da agressividade (juro pelas minhas boas maneiras que achei que levava com uma garrafa na cabeça), continuava com uma prepotência daquelas que só se aprendem num curso de gin em Londres.  

Porém, há que ser justo e não se pode ilustrar falta de pedagogia do Chiquinho espertalhão: “Quando vou ao médico não lhe digo como tem de me curar”. Ele é que sabe. Portanto não venhas para cá pedir um gin desta maneira que eu é que sei.

Fez-me lembrar um icónico sketch do Gato Fedorento, que, em duas linhas, é assim:
– “Doutor, caiu-me um braço!”, constata, evidentemente, um paciente sem braço.
– “Mau! Mas quem é o médico aqui? Eu é que sei se lhe caiu um braço!”- atira com desconfiança o prestigiado doutor. – “Deixe cá ver isso.” – o Dr. vê – “Olhe, caiu-lhe um braço.”

Não deixa de ser curiosa esta ternurenta comparação com o médico: é para muita gente a entidade suprema, sobretudo para os chicos espertos, que sabem que nunca poderão ser assim tão inteligentes mas que dificilmente outros o serão também.

Ao longo desta surreal interação, interpelei sobre tal exaltação e agressividade, tendo recebido mais do mesmo de volta, mas com uma sugestão que não esperava: que se não estava a gostar, havia muitas casas em Leiria para frequentar.

Nesse momento, tive de aceitar ser educado pelo Chico Esperto e concordar em não voltar ao Chico Lobo.

 

Fotografia: Chico Lobo