Entrevista Lord of Confusion: “A música que faremos, será uma mistura daquilo que sentimos hoje e não aquilo que fizemos ontem.”


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Os Lord of Confusion são uma banda de Leiria formada no ano passado e têm estado a tomar o distrito de assalto com o seu EP Burnin’ Valley. A sua sonoridade assenta num registo lento, stoner-doom, que hipnotiza quem os ouve, por isso, tivemos de os conhecer.

 

Como é que surgem os Lord of Confusion? Já se conheciam antes?
Danilo Sousa: Eu e o Nélson já nos conhecíamos, tocávamos juntos numa banda que teve o seu fim. O Nélson é o baterista, eu toco guitarra e a Carlota toca teclado e já era conhecida de nós os dois. Basicamente, começámos a juntar-nos aos fins de semana para ir tocar, sem grande regra, não tínhamos pressão para criar ou fazer alguma coisa.
Nélson Figueiredo: Era uma coisa mais experimental, tocávamos ao estilo jam session.
DS: O alinhamento era: guitarra, bateria e teclado, o que não é algo muito comum dentro do estilo que tocamos e assim foi durante uns tempos, até que o Nélson deu a ideia de gravarmos uma demo, para arranjarmos uns concertos.  Uma coisa levou à outra e pensámos: já que gravámos a demo vamos gravar um EP e o João apareceu quando já tínhamos tudo gravado, por ideia do Nélson. (risos)

 

Então as trilhas de baixo que estão gravadas foi algum de vocês e o João só teve que as aprender?
DS: Nós na altura quando gravámos foi mesmo sem baixo.
João Fonseca: Quando eu entro as coisas já estavam feitas. Foi uma semana intensa a gravar as linhas de baixo.
NF: A ideia de integrar um baixo foi, também, porque nós vimos de estilos semelhantes e foi para juntar os géneros que mais apreciamos.
Carlota Sousa: E quando éramos só os três sentíamos falta de algo ali, algo que nos desse mais consistência.

 

Algum de vocês teve ou está a ter neste momento, formação musical?
DS: Eu fui para a RockSchool, em Leiria, numa de aprofundar conhecimentos, mas estive lá pouco tempo, porque não me estava a sentir realizado.

Era um tipo de ensinamento mais fechado do que procuravas?
DS: Era um bocado. Basicamente temos que seguir um plano curricular e o que eu queria era aprofundar as coisas. Não estou a dizer que eu fui para lá e eu sabia aquilo, mas não era o que eu estava à procura.
CS: Eu tive aulas no Orfeão, aulas livres só aos fins de semana. Aquilo sempre foi algo mais prático, o professor ensinava-me as músicas, mesmo sem pauta.

De canto ou teclado?
CS: Teclado. Fui aprendendo desde clássica a jazz e como o professor me ensinava as músicas de ouvido, eu comecei a ter esse gosto de criar música. Antes desta banda, também, tive um projeto a solo chamado Charlie Mors e nessa altura ainda não sabia nada de teoria musical. Depois comecei a estudar. Foi quando entrei na banda que comecei a aprofundar os meus conhecimentos.
JF: Eu sou basicamente autodidata.

Foi nessa semana de gravações.
JF: (Risos) Basicamente. Eu já tocava guitarra. Toquei com o Nélson quando andávamos na escola e integrámos a banda da escola. Chegámos a ter uma banda de covers, durante uns três anos, e é daí que nos conhecemos e criámos uma grande amizade. Essa banda de covers foi a nossa escola e que nos deu a presença de palco e a experiência que temos hoje. Comecei a aprender guitarra, o baixo veio por acréscimo e, hoje, estamos aqui.
NF: Eu quando era puto tinha ideias de tocar bateria. As minhas irmãs andavam na escola lá no Juncal e aprendiam o básico, solfejo. Só depois é que passavam para um instrumento. Eu fui para lá ainda puto e não tinha paciência para nada e, então, desliguei um bocado daquilo. Também na altura, entrei para a banda da escola, por volta de 2012 e depois cheguei a ter formação musical em bateria em Porto de Mós e aí funcionava mais por ouvido, não davam teoria musical. Depois o facto de ter algumas bandas de covers, alguns projetos mais pequenos não tanto da onda, mas depois senti a necessidade de começar a criar, a compor.
DS: Basicamente, eu comecei a tocar guitarra em 2015. Nós fomos para o CENFIM e nós sentávamo-nos um ao lado do outro e ele tocava bateria. Toda a vida, eu ouvia os CD’s do meu pai e, nessa altura, eu disse-lhe “ohh puto vou arranjar uma guitarra e ainda vamos fazer uma banda”
NF: Depois foi um instante até ele aprender e saber tocar.
DS: Uma coisa muito diferente é eu estar sozinho em casa a tocar guitarra, outra coisa era chegar à nossa sala de ensaio e estava lá ele e o João Francisco a tocar baixo e é do tipo: ou tu aprendes ou então não estás ali a fazer nada e ao estarmos envolvidos com outras pessoas, não tem nada a ver. Agora estares numa escola e dizerem-te: “vá este é o teu trabalho de casa”, que motivação é que tu tens?
NF: Também por isso é que eu depois saí e não tive muito tempo nas aulas de bateria.

 

Falavam há pouco que vinham do mesmo background, qual é esse background, ou seja, quais são as vossas influências? Já deu para perceber que Black Sabbath é uma grande influência mas e mais?
DS: Eu, desde puto, sempre ouvi bué as cenas do meu pai que era muito rock dos anos 70 e 80, daí a nossa sonoridade. Quando eu conheci o Nélson era mais o metal, o grunge metal. A nossa primeira banda de originais era muito stoner rock, grunge. Só que houve um dia que um amigo nosso, o Diogo, vira-se para mim e diz: “Olha tu és do metal e tal, hás de ouvir o Ozzy Osbourne” e mostrou-me e eu: “ohh puto, eu nem gosto muito disso, isso é uma beca feliz.” Ele depois diz-me, então ouve Black Sabbath e eu lembro-me de chegar a casa e  pôr o primeiro albúm e ouvir aquela sonoridade mais maléfica e foi alta explosão na minha cabeça. Foi Black Sabbath, rock dos anos 70, depois entrei muito na cena do doom, dos anos 90, lá está o grunge. Os anos 90, também, tiveram um grande papel no stoner doom, Electric Wizard, Sleep, Weedeater, Bongzilla, Bongripper, tudo com aquele som lento, maléfico, arrastado. Na nossa primeira banda tinha um pouco disso, mas nesta é tudo um pouco mais arrastado e decidimos tocar cenas mais lentas, em vez de estarmos preocupados em tocar rápido, simplesmente isso.
CS: Já eu, sempre, me senti um bocado deslocada, porque com as bases que eu tinha quando estive no Orfeão, não sabia que dava para usar neste registo. O meu objetivo era fazer rock só que eu nunca tinha ouvido teclas no rock que eu ouvia e eu sempre me senti um pouco à parte, porque sempre que ouvia alguém a falar sobre bandas, nunca tinha teclas, mas desde nova ouvia esse estilo. Chegou a uma altura em que eu tive de fazer uma busca e reparei que havia muitas teclas antes, comecei-me a apaixonar pelo orgão e foi assim.
JF: Eu caí aqui um bocado de para-quedas. (risos) Eu comecei a ouvir este estilo quando  me juntei à banda porque eu sou, dentro deles o que mais esteve ligado ao metal, o que é mais pesado. Death metal, black metal, coisas mais extremas. Comecei a ouvir doom há cerca de dois anos e foi algo por que eu me apaixonei e que, hoje, eu oiço todos os dias e isto é uma outra vertente. Eu sou muito aberto a tudo e quando eles me falaram do projeto, aliás, o primeiro concerto que eu ouvi deles foi numa cave que a Carlota tem, numa festa de anos, fiquei apaixonado e não foi nessa altura que entrei para a banda, mas já na altura gostei muito. Foi quando comecei a explorar e acho que depois de tudo me enquadrei e é algo que faz parte de mim. Acima de tudo somos todos amigos e a música que fazemos juntos nasce disso, das ideias que nós temos, juntos. Provavelmente no futuro a música que faremos será uma mistura daquilo que sentimos hoje e não aquilo que fizemos ontem, obviamente que temos aquela ideia mas juntamo-nos e começamos a tocar e as coisas surgem conforme o estado de espírito.
DS: Lá está um gajo não pode estar dentro de uma caixa porque uma caixa pode ter os cantos redondos.
NF: Eu já estive numa banda mais grunge, já estive numa onda mais metal e depois comecei a entrar na onda do stoner doom, psicadélico e também um pouco indie, mas tocar, foi mais stoner doom. O tipo de ritmos e a leitura das melodias, sinto que encaixavam melhor comigo. Sentia que conseguia fazer uma cena fixe e a cena de ser mais lento, não ser tão acelerado, porque apesar de nunca ter tido uma banda de metal, também gosto de tocar mais rápido, blast beat, mas é só de vez em quando para desabafar.
CS: Acho que a questão de ser lento também me define enquanto pessoa. (risos)
JF: Eu penso que o doom é um estilo muito pouco compreendido, seja stoner, seja mais metal, whatever. É um estilo de música que traz muito sentimento, cada nota, apesar de ser mais arrastada, é mais sentida, cada tempo, batida, são muito mais sentidos, criam aquela atmosfera.
DS: O Matt Pike, dos Sleep, tem uma banda que é a esgalhar, mais rápida e outra mais lenta, os Sleep e ele disse uma vez: “tu quando tocas uma cena rápida, falhas uma nota, ninguém dá por ela e ao tocar algo mais lento se falhas uma nota esquece, estragas tudo. É algo muito sentimental, cada nota conta”.

 

Porque é que se chamam Lord of Confusion? De onde surgiu o nome?
DS: Existem duas histórias.

Existe a verdadeira e a que me vais contar?
DS: (Risos) Isto é uma cena que eu e o Nélson temos. Eu faço as coisas e ele dá-lhes significado. A Carlota é como eu, não dá significado às coisas e o Nélson interpreta-as. A história verdadeira (risos) é que estávamos em casa, eu estava com um caderno a escrever nomes e a mostrar à Carlota e a dada altura misturei duas músicas de Black Sabbath, que foram a Lord of this World e a Wheels of Confusion e ela achou que era um bom nome. Já o Nélson fez a sua interpretação. Da minha parte foi só listar infinitamente nomes até que houve um que ficou.
NF: Eu fiz a minha interpretação consoante a minha realidade e acho que o nome não deve ser visto só como uma coisa, cada um deve interpretar à sua maneira. Nessa altura, eu estava numa fase em que me comecei a aperceber de certas coisas sobre mim, que não me deixavam avançar na questão da criação de projetos, então achei, de certa forma, nós somos os senhores da nossa própria confusão. Às vezes são os nossos pensamentos que não nos deixam avançar e prejudicamo-nos a nós próprios.
CS: Sim, cada um é que coloca as suas barreiras e as constrói. Não é a vida em si.
NF: Depois há outras interpretações, mas isso será algo a explorar no futuro. (risos)

 

Quem é que escreve as vossas letras e quais são são os temas que abordam?
DS: Isso vai colar com a cena de Lord of Confusion. Eu escrevi uma letra ,que é a Bleeding Wizard. Isto surgiu quando a Carlota fez um riff no teclado e eu transpus para a guitarra e, num dia, que estava a tocar esse riff, estava a tocar e a escrever ao mesmo tempo e falava do meu dia, basicamente. Por acaso aquilo até ficou bué conciso, mas lá está, não tinha grande profundidade. Nesse caso foi uma letra que foi feita um bocado pela estética, ou seja, para que encaixasse. Mais uma vez o Nélson desconstruiu e encontrou significados. As outras letras foi a Carlota que fez tudo.
CS: Isto foi numa altura em que me ofereceram um livro de Fernando Pessoa, uma versão em inglês e inspirei-me muito daí. Muitos dos versos que estão lá foram bastante inspirados nele, certas palavras que eu uso, hoje em dia, não são tão usadas no inglês atual.
NF: Neste EP foi muito a Carlota encarregue das letras, mas num próximo trabalho já não será assim. Eu já tenho algumas letras escritas, algumas ideias.
CS: A ideia foi falar da sociedade, mas não duma forma clichê, fazer referências ao espaço, o que vai ser o futuro.
DS: Sem apontar o dedo, é que uma cena que eu odeio é gajos que estão a cantar e estão-se a queixar da vida, tipo: “já que vais falar dos outros e criticar ao menos dá uma solução.”. Sem querer ofender, estar a falar mal dos outros é o que os velhos ressabiados fazem, não te vais queixar. A gente está a pagar para te ver e tu vais te queixar da vida? A minha cena é: “se vais falar mal, ao menos dá uma solução.”. Tanto eu como a Carlota temos essa mentalidade, se vamos falar de algo nas letras, vamos propôr soluções.
NF: E a solução pode não estar escrita na letras, mas está lá indiretamente para a abertura de consciência.
DS: Exato. Se vamos falar da sociedade, mais vale consciencializar e dar soluções do que apenas dizer mal. Qualquer um pode dizer que o mundo está todo f***** e que é só poluição, qualquer um faz isso.

 

Sei que vocês como banda ainda são muito jovens, mas neste momento quais é que seriam os artistas/bandas nacionais ou não com quem vocês gostariam de trabalhar?
DS: Tchii. Bués.

Sim mas artistas relativamente atingíveis, como é óbvio eu gostava de tocar com o Lemmy mas..
JF: Eish Danilo, estou-me a lembrar dum que tu queres tanto e tão possível. Greengo!
DS: Era isso que eu ia dizer! (risos) É uma banda do norte e desde a primeira vez que eu ouvi essa banda, eu digo que quero de tocar com eles. Essencialmente as bandas que me fizeram pegar na guitarra: Fuzzil, Stone Dead, estou-lhes sempre a moer a cabeça.
NF: Para além de artistas eu acho que também é importante experienciar outro tipo de eventos e aí poderemos envolver-nos com outras bandas. Para já partilhar outros palcos. Outro tipo de eventos, tanto nacional como fora de portas. Por exemplo Mars Red Sky veêm ao Woodrock e eu já mandei o barro à parede para irmos lá tocar. Era algo excelente. Nós vamos ao festival curtir, mas era brutal abrir para Mars Red Sky.
DS: Por exemplo, eu curtia bué tocar com Cough, que já vieram a Portugal; e Monolord, uma banda europeia, que também já veio a Portugal.
CS: Para mim, era Blood Ceremony, que também são uma grande referência para mim e inspiraram-me muito.
DS: Olha a banda do gajo que trabalha lá na loja de música Canon Scarcer, ando-lhe sempre a moer a cabeça para fazermos um concerto. Epá são muitas.
JF: Lá está, é como estamos a dizer. Temos muitas, muitas inspirações, mas não temos nenhum livro escrito e as coisas vão-se alinhando.

 

Que objetivos a curto ou a longo prazo é que vocês têm já minimamente delineados?
DS: Opá, o (objetivo) perfeito, era um gajo viver disto. (Risos) Algo que muito pessoal já me disse é para disfrutar da viagem. Coisas a curto prazo: vamos lançar o nosso merchandising entretanto, o que é sempre bom. Também vamos gravar outra cena. Deve sair um single novo nos próximos meses. O Nélson tem trabalhos conceptuais que quer fazer dentro da banda. Este primeiro projeto foi do género, juntámo-nos e aconteceu isto, ou seja, não estamos a pensar em demasia no que é que temos de fazer ou não como músicos. No próximo já temos um conceito que queremos explorar que surgiu totalmente da cabeça do Nélson. A nível de palcos, epá o Sonic Blast.
CS: O Saint Vitus!
DS: Eish! Claro o Saint Vitus é aquela Meca. Se tu queres ser músico, tens de passar por lá. Em Portugal, curtíamos ir ao Hard Club, ao Woodrock, ao Sonic Blast. Mesmo festivais de metal, o Vagos, porque não?
JF: O Vagos dentro dos festivais de metal em Portugal, é o que tenta pegar em mais estilos. Este ano vão trazer Dopelord que é stoner. Ou seja, é algo que pode acontecer e estamos sempre à procura disso. Principalmente, cá em Portugal, porque primeiro temos que nos divulgar cá e depois logo se vê.
NF: Sim, um dos objetivos principais é gravar as próximas cenas, queremos também fazer uma tour ibérica, arranjar concertos, divulgar a banda, investirmos e chegar a um patamar em que possamos tocar lá fora com outras bandas. Mas lá está, é uma escada.
DS: Encontrar uma banda para fazer essa tour. Começar em Portugal e acabar em Espanha ou vice-versa.

 

Havia uma pergunta para finalizar, mas já está mais ou menos respondida, se quiserem elaborar, estão à vontade. Já está preparado ou a ser preparado um seguimento do EP Burnin Valley?

DS: Sim, vamos lançar um single daqui a uns meses e para o ano que vem vamos ter outro EP. Não vale a pena dizer que é este ano, porque não sabemos se é possível, mas pronto já está a ir para o forno. (Risos)
NF: Sim, porque temos de conjugar com os nossos estudos ou trabalhos e queremos fazer um álbum conceptual. Algo mais composto.
DS: A nível de termos letras, o Nélson já tem uma ideia dos temas que vamos abordar. A nível instrumental é um bocado por predisposições.
CS: Cada um dá as suas ideias. Por exemplo, eu dou ideias de riffs, ele dá outras ideias de riffs e, nos ensaios, juntámos tudo.
JF: Muitas das vezes estamos nos ensaios, ligamos os instrumentos. Há aquele feedback e alguém começa a tocar alguma coisa aleatória e depois os outros vão atrás, complementando, criando.
CS: É mais ao estilo jam session, o que é um bom exercício. Não há aquela coisa de chegarmos lá e temos de tocar isto.
JF: Sim e há coisas que nós já criámos nessas jams e que até já foram experimentadas ao vivo.
DS: Quem foi ao concerto nas Caldas teve um showcase. (Risos) Mas isso não é decidido antes do concerto, é a meio que decidimos mostrar.