Cave Story: “Temos todos certificados oficiais de auto didatas.”


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Naturais das Caldas da Rainha, os Cave Story trazem o segundo disco de longa duração Punk Academics.

Depois de uma estreia em grande plano com West, com o qual os Cave Story atingiram tops nacionais, chega-nos o segundo álbum que denota o cimentar de quem sabe o que faz e para onde vai. Conversámos com o frontman e vocalista, Gonçalo Formiga sobre o novo álbum e muito mais.

Gonçalo Formiga

Comecemos pelas origens. Como surgem os Cave Story? Já se conheciam antes?

A banda existe desde 2014, conhecemo-nos em fases diferentes. Conheço o Ricardo desde os quatro ou cinco anos, o Zina desde os 17 e o Zé também por aí.

Porquê Cave Story?

O nome vem de um jogo de computador japonês lançado inicialmente em 2004. Quando estávamos a tentar encontrar nome, esse surgiu e fez sentido.

Tiveram outras bandas ou projetos antes? 

Sim, mas não chegámos a lançar discos, só alguns concertos perto de casa, Caldas da Rainha e arredores.

Esta pergunta é muito pouco punk. Tiveram alguma formação musical?

Ouvir música, comprar discos e ler. Temos todos certificados oficiais de auto didatas.

Sendo das Caldas têm noção do que se passa musicalmente na zona? Acompanham outros artistas ou bandas da zona?

Há uma série de concertos organizados pelo Grémio Caldense, e por mim, através da Hatsize. Atualmente estamos mais distantes, mas também acho que está calmo, em termos de bandas e concertos. A nossa grande amiga Nádia Schilling lançou um belíssimo álbum em 2017. E o João Pombeiro faz vídeos inacreditáveis fechado numa cave com sete gatos.

Parecendo que não, já têm seis trabalhos editados. Falem-nos um pouco sobre o trajeto inicial.

As demos e o primeiro EP Spider Tracks surgiram mais como colecções das nossas primeiras experiências a gravar. A Richman foi gravada com o Diogo Rodrigues em Alvalade, no que é hoje o covil dos Capitão Fausto, na altura havia uma interface quatro microfones e um manequim. A ‘Garden Exit’ foi a nossa primeira e única experiência a gravar por pistas. Adorei trabalhar na mistura, mas em termos de produto final acabámos por seguir sempre com a gravação live. Acho que a nossa ‘profissionalização’ foi na altura em que tivemos uma agenda muito cheia, primeiro com o Spider Tracks e depois com o West. A identidade e linguagem da banda hoje em dia passa pela experiência a tocarmos juntos que só ganhámos com essa dose de concertos.

No álbum West apresentaram-se com sonoridades que nos transportavam para um ambiente meio Wild Wild West moderno, com toques de indie mais pesado. Com o Punk Academics sinto uma maior maturidade nas sonoridades, as guitarras dão o mote, o baixo sempre assertivo e a voz por vezes desinteressada mas também uma maior intrusão de sons eletrónicos e uma maior agressividade característica do punk. Como é que chegam a esta sonoridade no Punk Academics?

Como disse na resposta anterior, a nossa linguagem vai evoluindo a tocarmos juntos. Pela primeira vez neste disco durante a composição surgiu a frase “isto não é cave story”. Podemos concordar todos com isso ou não, mas é muito interessante que isso surja, não sabemos exactamente como, mas sabemos o que queremos fazer e o que não queremos fazer.

Como tem sido o feedback a este disco?

Ainda é recente mas, no geral, temos tido reacções mais esporádicas mas mais calorosas. Quem gosta, gosta mesmo. Quem não gosta, ainda não se pronunciou.

Disseram numa entrevista que este disco é uma celebração das vossas influências, bandas e artistas do punk. Quem são essas influências?

São muitas, claro, não só punk. Houve uma fase em que as bandas escreviam nos próprios discos ou em zines agradecimentos às bandas que as influenciaram. Hoje em dia parece que toda a gente quer fingir que apareceu do nada e que é único e novo. Nós falamos menos sobre as bandas que gostamos do que deviamos, mas fazemos esse tributo de outra forma, fazendo discos em que assumimos o nosso lugar nessa história. Sonic Youth, The Fall, Swell Maps, Devo, Pavement, Black Flag, Stereolab, Television os suspeitos óbvios.

Dizem que o punk, à semelhança do rock, está morto. Há anos que se diz isto numa espécie de saudosismo da expressão que os estilos tinham. Também vêm o punk morto ou consideram que, simplesmente, não tem a visibilidade que tinha, por exemplo nos anos 80?

As coisas mudam e andam em círculos. Neste momento as subcultures existentes estão mais viradas para outros géneros de música, mesmo que na prática em termos de contexto as coisas sejam parecidas. É tão punk uma banda hardcore e a sua banda de merchandise, como um produtor de techno a vender um 12” através de uma pequena label. As guitarras estão fora de moda, mas depois voltam, é sempre assim. É o que o James Murphy fala na ‘Loosing my edge’.

A mentalidade DIY nota-se muito no disco, seja nas músicas, seja no artwork. É uma orientação que está convosco no dia-a-dia? Ou ligam-na para trabalhar os Cave Story?

Sim. Pessoalmente, sempre tive tendência para querer fazer por mim. Quando era novo não queria só ser jogador de futebol: queria criar e jogar no meu clube. Fazer o emblema e as camisolas. E treinar a equipa também, e ser o presidente. E já agora arquitecto do estádio.

Ultimamente tem-se notado uma maior expressão dessa vertente de pensamento, o fazer tu mesmo. As bandas já perceberam que quase não precisam das editoras para terem visibilidade. Isto reflete-se numa maior quantidade de bandas a publicar trabalhos, nos seus estúdios improvisados. Acham que esta vertente veio para ficar e as editoras vão continuar a perder espaço para as bandas que fazem por si, ou as editoras continuarão a ter um valor que não se pode apagar?

As editoras têm um grande valor enquanto estrutura, mandar um disco para a fábrica e meter nas lojas é só uma pequena parte do trabalho. As editoras, mais do que outra coisa, são selos de qualidade ou características. Dependendo, claro está, dos gostos de cada um.

Como vêm a proposta de Leiria para Capital Europeia da Cultura 2027? Acham que tem pernas para andar ou que a conjuntura ainda não é a ideal?

Não sabia. Acho que Leiria bem precisa de um impulso cultural mais sério, para ajudar os bons princípios que lá se têm passado. Omnichord o Festival A Porta. Mas mais não sei, somos das Caldas da Rainha.

O melhor concerto até hoje?

Diríamos coisas diferentes entre nós, para mim a ZDB em Lisboa e o Maus Hábitos no Porto são sempre espaços propícios a bons concertos da nossa parte. Sala X em Sevilha e Les Pavillions Sauvage em Toulouse foram muito bons.

Como vêm os Cave Story daqui a 5 anos? Projetos/ambições?

Gostaria de conseguir continuar a tocar e a editar discos e que isso fosse sustentável.

 

Os Cave Story têm uma agenda bastante preenchida, até ao final do ano, com passagens por França, Espanha e Suiça. Regressam a Portugal apenas em dezembro, para tocar no Salão Brasil, em Coimbra, no dia 1, e na Stereogun,  no dia 8. Ficamos à espera de poder presenciar a energia dos Cave Story em primeira mão. Até lá pode ir treinando as músicas!