Rui de Sousa
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A TIL esteve com o humorista, do norte do país, que nos falou sobre a influência da pandemia no seu novo espetáculo “Regresso à (a)normalidade”. E Hugo Sousa, agora pai aos 40 anos, não se esqueceu de dar também algumas referências sobre o tema da paternidade.
Hugo, já vieste algumas vezes a Leiria, certo? Mas do que me lembro nunca estiveste a solo no Teatro José Lúcio da Silva…
A solo não mas fiz aqui o “Esgotamento” o ano passado com o Guilherme Duarte, Raminhos… A solo estive no Teatro Miguel Franco.
E agora muito tempo sem fazer espetáculos, abrir aqui a tua tour, dá-te alguma pressão adicional?
Mete um bocadinho porque há cinco meses que não faço espetáculos em grandes salas. Fiz agora nos últimos 15 dias uns bares no Porto, coisas muito pequenas com o objetivo de testar piadas. Mas, na verdade, stand up em teatros já não faço espetáculos desde meados de Dezembro. Portanto, o primeiro vai ser aqui em Leiria, vamos partir daqui!
Então não é nada que te preocupe, não é?
Não, normalmente aqui em Leiria sou sempre muito bem recebido e a malta vem mesmo para rir. Acho que nenhum artista gosta muito de ir para o espetáculo e só estar preocupado com o seu trabalho. Eu preocupo-me muito em divertir-me! Não gosto de estar fixado no texto porque depois há coisas que já sei que vou improvisar, há coisas que depois digo de maneira diferente. Acima de tudo quero é divertir-me! Acho que se nota quando um humorista está só a desbobinar as piadas. Pum, pum, pum…. Se uma pessoa for na onda do público e conseguires trazê-los para as tuas histórias e para os temas que trazes acho que isso é que é o mais importante.
Mas o facto de ser o primeiro espetáculo não invalida essa tese?
É óbvio que hoje não vou tão confortável com o texto como vou estar aqui a três, cinco ou dez espetáculos.
Há sempre uma frase ou piada que vais conseguir moldar com o tempo…
Sim. Também já sei que me vou esquecer de texto, vou inventar como o caraças! No primeiro é sempre assim.
Mas disfarças bem esse “inventar”?
Ninguém nota. As pessoas também não sabem o que vou dizer, ninguém está a seguir uma linha. Mas é o que eu digo: está tudo bem, eu prefiro que seja assim. As pessoas que vão a uma estreia sabem que a minha parte pode não estar muito bem decorada (risos). Mas também me estou a marimbar (risos). Isso dá uma tensãozinha extra que eu gosto. Isto é um espetáculo de comédia, não é propriamente uma palestra onde as pessoas estão a tirar apontamentos e eu não me posso esquecer de nada. Se estivesse a dar um curso de medicina era chato se me esquecesse de falar daquela parte da cirurgia: “Caraças, isto agora vai ser um problema!” (risos)
Estavas a dizer que tinhas parado um bocado o stand up por causa da pandemia. Tentaste testar algumas plataformas, espetáculos online?
A cena específica de stand up não dá para fazer online. Tu num espetáculo de comédia dizes uma piada e o público ri e funciona muito neste pingue-pongue. No formato online estás a dizer piadas e basicamente não ouves nenhuma reação do outro lado. Então aí, já fica esquisito. Podes fazer coisas com piada, diretos no Instagram, vídeos de perguntas e respostas via Zoom mas isso tira logo a pressão porque já não se trata de um espetáculo de stand up comedy. Não há palco, a interação é completamente diferente…
Sim, até deve ser interessante para improvisares um bocado e ganhares novas ideias…
Sim, por exemplo gravei um vídeo engraçado a falar de temas relacionados com Medicina. Mas pronto, stand up é o mais fixe. Ainda no outro dia estava a falar com um amigo meu e perguntei-lhe se um dia, caso a carreira dele explodisse e começasse a fazer filmes e séries , se era capaz de pôr o stand up de lado. Do meu lado, acho que não conseguia pôr a comédia de palco de lado porque vivo disto há 20 anos e a minha cabeça vive em função do stand up. Quando faço coisas na televisão, vejo sempre como uma promoção aos meus espetáculos. Mesmo que esteja a ser pago para fazer aquilo, o que quero é mais pessoas nos meus espetáculos ao vivo. Não me vejo a deixar de fazer isto!
Vai ser até dar, não é?
Até dar. E mesmo se não der, eu vou arranjar maneira. De andarilho, sentado… Eu vou arranjar maneira!
Este teu novo espetáculo é sobre o “novo normal”, fazes até aquela brincadeira com a (a)normalidade. Vais desenvolver um bocado estes temas, não?
Sim, mas não é só sobre isso senão ia ser uma grande seca. As pessoas estão fartas de ouvir falar sobre a Covid. É todos os dias na televisão, todos os dias na rádio… Vou abordar a Covid de perspetivas diferentes mas também vou avançar com outros temas.
Queres dar um cheirinho?
Vou contar histórias. Conto sempre muitas histórias nos meus espetáculos, cenas mais antigas, situações engraçadas com alguns anos. Também notícias atuais mas que são completamente alheias ao vírus. No fundo, isto é uma confusão muito grande. Uma grande salganhada! (risos)
Nesta pandemia ganhaste hábitos? Sabemos que foste pai e isso pode ter alguma influência mas fala-nos, para já, de outras coisas.
Olha, no outro dia apercebi-me que ganhei o hábito de não ir jantar fora ao fim de semana.
Mas também porque não podias…
Sim, mas foi triste porque depois ganhou-se o hábito. Agora já se pode e às vezes dou por mim que já nem pondero ir jantar fora ao sábado. É que nem me lembro que já se pode ir. Também a máscara que tornou-se um hábito… eu esquecer-me dela (risos). Também se tornou um hábito aquele cumprimento sem beijinhos nem abraços e fazer tudo isso com o cotovelo. Acho que com o tempo vou também ficar germofóbico.
Por falar em cumprimentos, o que achas da evolução na pandemia do pé para o cotovelo? E não te faz confusão que as autoridades de saúde peçam para tossires para o mesmo sítio onde supostamente é para cumprimentar as pessoas?
Sim, com o pé era muito ridículo. Eu, na verdade, não tenho o hábito de cumprimentar exatamente com o cotovelo. É mais o antebraço – agora estes 10cm são a minha zona de cumprimento!
E paralelamente, perdeste algum hábito?
Epá, acho que perdi o hábito de ir para os copos. Quer dizer, esse não perdi. Tenho-o aqui à espera, um animal solto que quer ir beber um copo com a malta ou a um bar. Esse está latente.
Sobre ser pai, conta-nos lá a tua experiência.
Isto de ser pai muda a vida de uma pessoa, eu falo muito disso no espetáculo – tenho lá um bit só sobre isso de ser pai e de tudo o que isso acarreta. Mas está a ser uma experiência bonita. Gostava só de dormir mais…
Quantas vezes é que acordas por noite?
Ao fim dos primeiros meses eu acordava muitas vezes. Qualquer coisa acordava e até muitas vezes sem barulho porque ficava com pânico. Ela era uma coisinha tão pequenina, nunca tinha visto nada assim lá em casa que acordava a pensar se ela estava a respirar – e metia o dedo à frente do nariz dela ou a mão no peito para confirmar que ela estava a respirar. Esse pânico deixava-me muito cansado e depois chegou a um ponto que percebi que estava tudo controlado, a minha namorada também ajudava. E pronto, basicamente, caguei (risos). O meu cérebro dizia: “Chhhiu, dorme”. Só acordo mesmo quando ela chora. Estou mais relaxado.
A tua namorada estava grávida na altura da pandemia, certo? Por acaso não tiveste um daqueles pedidos especiais de almôndegas com uvas às 4h da manhã?
Esteve grávida no primeiro confinamento, sim. Pedidos especiais a altas horas só gelado, gelado, gelado. Gelado à 1h da manhã.
Então mas onde ias buscar o gelado?
Ia às bombas de gasolina, saía à 1h da manhã. Tive sorte porque neste último confinamento já nem podiam vender esse tipo de produtos de madrugada. Eu ia lá e comprava. Também eu era estúpido porque já sabia que ela queria e mesmo assim não comprava no supermercado. Ainda por cima nessas bombas só tinham Haagen Dazs. Era a única marca que havia e tinha de lá deixar 12€ de cada vez.
Depois passado uns meses passou-se uma cena curiosa. Fui atuar a São João da Madeira e conheci lá um rapaz que era produtor de gelados. A seguir a um espetáculo ele foi-nos mostrar a fábrica e no fim perguntou-me se eu não queria levar. Eu fiquei a sentir-me mal por levar sem pagar portanto combinamos eu pagar uma e ele oferecer-me outra. Porém, cada embalagem tinha 5L de gelado! Eram 5kg de gelado! Eu não tinha bem a noção da quantidade daquilo, tanto que aquilo mal cabia no congelador. Tive de tirar bifes e não sei quê para conseguir lá meter as caixas. Até tirar aquelas prateleiras para ganhar espaço, sabes? E pá, aquele gelado ficou lá muito, muito tempo…
Mas já acabou?
Já mas ainda ficou lá muito depois da minha mulher ter a bebé e já não ter desejos de gelado. Comecei a dar gelado aos meus amigos todos para despachar aquilo. E outro problema é que por pouco gelado que existisse, o tamanho da embalagem era sempre igual. Demorou para aí cinco meses a comer aquele gelado todo!
E para homens, tens algum conselho para aqueles que querem ser pais?
Sim, tenho. É muito importante… não sejam pais!
E na tua filha qual é a característica que dizes que é logo “igualzinha ao pai”?
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Oh, gosta de carne. Ela não pode comer mas fiz ali um teste de paternidade onde ela rejeitou alface e alegrou-se com a carne.
É sabido que és um apreciador de boas carnes. Daqui da Região de Leiria temos alguns restaurantes com fama nesse registo de ementas. Conheces algum?
Conheço o Puttanesca e o Dux, que é onde por acaso vou já a seguir jantar.
E sobre restaurantes vegetarianos, macrobióticos e afins, tens algum comentário a fazer?
Não me interessa para nada. Não vou comprar uma guerra com eles (risos).
Para terminar, imaginando que conseguiríamos voltar à normalidade. Eras tu o salvador desta causa e só tinhas de fazer uma destas três coisas, qual fazias? Uma semana só a comer vegetariano, um mês sozinho a cuidar da tua filha e tratar de tudo ou um ano sem fazer stand up comedy?
Epá, isso é muito complicado. Mas a primeira corto logo, nem que fosse só um dia. Tinha de ficar com a minha bebé. Ia custar muito. Mas se ela sobrevivia ou não, conta? (risos)