Crítica: Nomadland – Sobreviver na América

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A história sobre a vida solitária na terra prometida. Nomadland é um dos favoritos aos Óscares e, com esta análise, vai perceber o porquê!

Pouco ou nada conhecia do trabalho de Chloé Zao! Durante o ano passado, quando conheci o filme “Nomadland”, tive extrema vontade de o ver apenas e unicamente por ser protagonizado por Frances McDormand, uma atriz que admiro bastante e já há algum tempo…

Não começou em 2017 com “Três Cartazes À Beira da Estrada”. Foi quando vi pela primeira vez “Fargo” que comecei a seguir o trabalho de Frances. Apesar de já ter alguns anos (25, para ser precisa – O filme é da minha idade!) e passar despercebido, é um dos melhores filmes que vi até hoje, por isso, claro que não podia deixar de o recomendar! A seguir foi “Short Cuts – Os Americanos”, “Olive Kitteridge”, a minissérie da HBO e “Mississipi Em Chamas” (outro filme já com muito pó dentro do armário, mas altamente recomendado).

“Nomadland” apareceu meio discreto! Foi só com o decorrer do ano que começou a conquistar lugar na vida das pessoas e claro, com o reconhecimento da Academia que o nomeou como um dos melhores filmes de 2020.

Quem vê o trailer não fica com uma noção clara do que vai acontecer, pelo menos eu fiquei bastante confusa, o que por um lado me despertou ainda mais o interesse. Este filme conta-nos a história de Fern (Frances McDormand), uma mulher que perdeu tudo o que tinha durante a Grande Recessão. Após o colapso de uma cidade na zona rural de Nevada, nos Estados Unidos, Fern, de 60 anos, entra na sua carrinha e parte para a estrada. Começou a viver como um nómada dos tempos modernos e viaja ao longo do Oeste Americano, sozinha. Aqui, a estrada interpreta um dos principais papéis do filme, sendo ela o início e o fim da história.

Chloé Zao, a realizadora, inspirou-se no livro “Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century” de Jessica Bruder e decidiu focar-se na realidade, ou seja, para o próprio filme, a realizadora escolheu verdadeiros nómadas como Linda May, Charlene Swankie e Bob Wells, que interpretam o papel de companheiros de Fern, pessoas com quem ela se cruza ao longo desta viagem. Muitos nómadas cruzam o caminho de Fern, acabando por lhe dar vários conselhos e dicas de como sobreviver na estrada ou, muitas vezes, ensinamentos sobre a vida no geral.

Frances McDormand dá vida a uma mulher que passa metade desta história a afirmar-se como uma “sem-casa” e não quer ser confundida com um “sem-abrigo”. Aliás, percebe-se a mensagem de Chloé nesta afirmação da personagem: uma crítica à propriedade que todos os homens querem e consideram ser o elemento principal da vida e que, na verdade, o tornou
num ser sedentário. Isto é um pouco discutível, ou não? Seja qual for a perspetiva de cada um de nós sobre ter ou não um lar, esta foi a mensagem do filme que nunca mais me saiu da cabeça! Numa altura em que mais de metade das novas gerações não sabem o que querem fazer da vida nem qual deve ser o propósito de estar vivo, chega-nos um filme que nos faz questionar a verdadeira importância de ter um emprego, casa fixa e família, ou seja, quase põe em causa o que nos ensinam desde que aprendemos “a ser gente”.

Todas as personagens e conversas que vamos tendo o privilégio de ouvir e ver são capazes de nos cativar até ao fim, pelo jeito tão íntimo e puro. Como vos disse, esta história não é apenas um guião de falas ensaiadas, são pessoas a expor as próprias realidades com uma naturalidade absolutamente bonita. É um filme que por vezes assume um carácter documental mas, honestamente, ninguém vai querer saber disso. Estamos tão envolvidos na vida daquelas pessoas que acabamos por esquecer tudo o resto à nossa volta.

 

Frances McDormand revela-se, para mim, como uma das melhores atrizes desta geração e Fern tornou-se numa das minhas personagens preferidas. Fern é uma figura cheia de camadas, que transparece nada mais do que uma sociedade americana que viveu, constantemente, na ilusão do sonho americano para depois acordar no verdadeiro pesadelo. É uma personagem que quer parecer força e frieza, quando está apenas a esconder a sua fragilidade emocional. Esta fragilidade é comum a todos nós e todos temos momentos que preferimos usar a capa (ou máscara, como queiram) para a esconder. Fern é também uma personagem que me faz questionar a liberdade com que todos nós nascemos. No entanto, é apenas uma ilusão. Será que ela é mesmo uma mulher livre? Independente?

Cinema muito bem conseguido por Zao! Uma história que se envolve numa mistura de ficção com realidade, dentro de uma estrada que parece feita para filme documental mas é feita por nómadas, que escondem sonhos destruídos com um sorriso livre.

Fui conquistada por todos os planos que seguiam Fern e nos mostravam uma beleza única de paisagens naturais. Quase que me deixo levar por elas e esqueço as vidas que estão a contar a sua história. Acaba por ser também uma forma da realizadora nos mostrar o quão insignificantes somos no meio deste mundo.

É certo que “Nomadland” tem coração! É impossível ser indiferente a esta obra tão bonita! Como podemos ficar indiferentes a Fern que se apresenta como uma mulher que escolheu viver longe de uma vida padronizada e, ao mesmo tempo, como uma mulher que representa a sociedade solitária que vive em isolamento? Vamos refletir sobre ela, porque a seguir, vamos refletir sobre nós próprios e quem sabe, adotar novos padrões de vida!

 

Classificação TIL: 9/10