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O novo filme da Netflix é a preto e branco mas o enredo leva-nos para múltiplas cores e pensamentos do quotidiano nas relações. Assim é Malcolm & Marie
Estreou “Malcolm & Marie”, o novo filme da plataforma de streaming Netflix. Nesta obra vão ver John David Washington, que já devem conhecer do filme “Tenet” de Christopher Nolan (espero mesmo que conheçam, afinal estamos a falar de Tenet!), e Zendaya, a vencedora de um Emmy pela série “Euphoria” (outra que eu espero que conheçam!).
Antes de começar a falar sobre este novo filme, quero contextualizar-vos: o realizador Sam Levinson também é o diretor de “Euphoria”, original HBO, e foi nesse projeto que conheceu Zendaya – e eu agradeço a todas as divindades por Sam e Zendaya terem cruzado caminhos. Sam é filho da argumentista Diana Rhondes e do produtor Barry Levinson. Vamos lá ver, com este ADN, não é surpresa nenhuma que Sam Levinson tenha um enorme talento neste universo infinito da sétima arte, não concordam?
Já perceberam, sou fã! Sou fã de Sam, de Zendaya e de John, porém, vou tentar com todas as minhas forças que esta admiração não influencie a minha opinião da experiência deste filme, que considero ser uma obra arriscada. Feitas as apresentações, vamos ao que interessa!
Nesta nova e forte aposta da Netflix, Zendaya e John David Washigton são os únicos atores em cena e brilham numa história sobre amor e vários outros sentimentos complexos.
John é um cineasta e namora com Marie, personagem de Zendaya. O casal regressa a casa após a antestreia de um filme de John e ele acredita que será uma obra de muito sucesso. Em casa, ambos começam uma conversa (ou discussão, vá), que vai colocar à prova o amor que sentem um pelo outro, dando espaço para o surgimento de revelações das suas relações. O que desencadeia esta discussão é, obviamente, o filme de John que é baseado na vida de Marie, uma ex-toxicodependente e frustrada com a sua carreira de atriz de pouco sucesso.
Há dois pontos importantes que eu já referi, mas vou reforçar: Sim, o filme é inteiramente entregue a duas personagens e a um cenário e a história gira em torno da discussão do casal.
Eu sei que pode parecer difícil e desafiante construir um filme com poucos elementos e é por esta razão que o considero, no mínimo, arriscado. Mas, pelo menos na minha opinião, para o salvar de um puro e fácil tédio temos Zendaya e John, dois brilhantes atores! E prometo-vos que não estou apenas a basear-me na minha admiração por ambos, acredito fortemente que foram escolhidos na perfeição.
Para além disso, o realizador é um génio no que toca a tornar uma ação “parada”, que tem tudo para ser monótona e aborrecida, numa ação interessante. É inevitável fazer esta comparação, mas o filme fez-me lembrar os dois episódios especiais, que estrearam já durante a pandemia, de “Euphoria”. Isto porque, em ambos os episódios, o realizador utilizou um texto com duas personagens e um cenário e tornou a nossa experiência numa (quase) consulta no psicólogo. Ou seja, tanto nesses episódios específicos como neste novo filme, o realizador trabalhou com um texto poderosamente emocional e tirou partido ao máximo das emoções dos dois atores, que foram muito bem conduzidos.
O maior problema, creio, foram as expetativas criadas em torno desta obra a preto e branco. Na verdade, eu não tinha expetativas e tento, sempre, fugir delas. Cheguei ao final do filme e só consegui achá-lo brilhante. Quem já esteve apaixonado ou está, provavelmente tem outra facilidade em encontrar relações emocionais com o filme. Este casal tão depressa se ama como se odeia, tão depressa ri como chora. E, peço atenção para este ponto, não é uma discussão que confronta apenas as emoções e sentimentos de cada personagem, também divaga pela superficialidade de Hollywood, racismo e importância da sétima arte. Obriga-nos a pensar! Obriga-nos a pensar em ambos de forma igual e diferente. Acima de tudo, obriga-nos a ter compaixão por ambos, porque são um espelho de pessoas reais!
O que é que achei extremamente forte? Fácil. A química de Zendaya e John e a genial condução de Sam. Mais uma vez, não estou surpreendida, conheço bem o trabalho e potencial deste trio!
Mas, como a vida não é um mar de rosas, também este filme tem as suas imperfeições, que aos meus olhos são as seguintes: quer parecer uma peça de teatro e é demasiado político. Ora bem, são imperfeições, claramente, subjetivas. Ou seja, vai depender do vosso gosto e experiência. Esta é a minha e posso, com todo o gosto, justificá-las.
O filme “Vedações”, protagonizado por Viola Davis e Denzel Washington é um filme que considero “de teatro”. Com isto quero dizer que, os atores trabalham um texto ultradramático e com profundos desenvolvimentos das personalidades das personagens. Adoro-o! Em comparação com “Malcolm & Marie” não acredito que o texto seja forte o suficiente para ser trabalhado como uma peça de palco. Viola e Denzel fizeram-me esquecer a tela e eu senti que estava numa sala a ver uma verdadeira peça de teatro. Zendaya e John não me fizeram, de todo, ter o mesmo sentimento. Pelo contrário, senti que a vontade desta obra é ser teatral e força-o.
Por outro lado, é um texto inteligente que explora as emoções de um casal romântico e por vezes mistura-se com questões políticas que o realizador introduz com o objetivo claro de criticar a indústria de Hollywood. Confesso, não me seduziu. Eu sou do grupo de espectadores que acredita que o cinema pode e deve ser uma ferramenta que explora vários temas políticos e sociais que sejam, efetivamente, importantes. Neste caso, penso que haveria muito mais para falar sobre a relação psicológica do casal.
São imperfeições “minúsculas”, que acredito não terem força para destruir a magia deste filme. É uma obra feita de atores talentosos, com potencial para nos ensinar muito sobre as emoções e sobre lidar com elas. Merece ser visto com muita atenção e com o coração no sítio certo.
Os diálogos são tóxicos, explosivos, dramáticos e intensamente emocionais. Zendaya, apesar de manter uma postura serena, traz uma personagem cheia de demónios e começa a adotar um discurso mais dramático. Enquanto que John, brilhantemente, usa a ironia como característica principal e constrói uma personagem verdadeiramente cativante. Ambos são um perfeito equilíbrio e até nos fazem sentir desconfortáveis cada vez que temos tendência a escolher um dos lados.
Quem conhece o trabalho de Sam Levinson também não vai ficar surpreendido quando digo que, a banda sonora é maravilhosa. Ajuda-nos na interpretação dos momentos e das emoções das personagens. Até a própria forma de filmar é um genial acréscimo à sua perfeição.
A experiência deste filme não vai ter meio, é tão intensa quanto o próprio filme. Ou se ama ou se odeia. Eu… amei!
É uma perfeita oportunidade para todos os espetadores desta obra começarem a refletir sobre este elegante argumento e para começarem a ficar atentos ao trabalho da jovem Zendaya e admirar a notável interpretação de John.
Acredito que, quer gostem ou não, é um filme inesquecível e não vai ser fácil evitar falar sobre ele com a nossa cara metade (cuidado e boa sorte!).
Classificação TIL: 8/10